
Os eleitores de Marina Helou, 29 anos, candidata pela primeira vez à Câmara Municipal de São Paulo em 2016, talvez tenham ficado tão frustrados, quanto os de Hillary Clinton nos Estado Unidos, quando os resultados foram anunciados. Elas foram vitoriosas nas urnas pelo volume do voto popular, mas acabaram derrotadas pelos cálculos de coeficientes aplicados. Se o cálculo fosse da soma simples alcançada na apuração, ambas estariam eleitas. Mas essa frustração impingida também às candidatas, pode ter efeitos bem diferentes em suas decisões cá e lá, pois Hillary já é veterana na política e Marina está apenas começando… Mesmo sem alcançar sua vaga, ela promete estar cada vez mais envolvida nas discussões sobre gestão pública e reforma política, com a visão otimista e contagiante de uma jovem administradora, mulher e ativista, determinada a participar de forma ativa como cidadã de São Paulo e do Brasil, por um país mais justo e respeitador da diversidade e com ferramentas para detectar e impedir a rede de corrupção. E olha! O quanto ela tem a dizer sobre tudo isso… Essa entrevista exclusiva traz uma visão ampla do que se espera das mulheres empoderadas, que não podem fugir da ação política participativa, seja na hora de voltar, se candidatar, ou promover transformações no dia-a-dia, mesmo diante de pequenas derrotas.

Selene Ferreira: O que a fez voltar-se para o mundo político e ter o desejo de atuar como agente de mudanças no cenário da política paulistana?
Marina Helou : Sempre tive interesse em atuações de propósito e larga escala. Entendo que a gestão pública é um espaço com um potencial incrível de transformação real na vida das pessoas e durante a graduação no curso de Administração Pública isto ficou cada vez mais claro para mim. Após 2013 ficou muito claro que a minha geração havia se afastado da discussão pública, e que para a transformação que sonhávamos seria necessária uma nova forma de fazer política e de novos políticos. Refletindo sobre minha vida, formação e possibilidades entendi que poderia contribui com este processo me colocando candidata nas eleições de 2016 e construindo possibilidades de descomplicar a política aproximando as pessoas dos espaços de poder.

SF: Depois de uma campanha tão íntegra e direta, com conversas ao vivo pela internet com os possíveis eleitores, como absorveu a não eleição? Pretende continuar na política?
MH: Foi duro! Claro que nossa expectativa estava bem alta com todo o trabalho e consistência que criamos na campanha, sentíamos o retorno positivo e estávamos animados. A sensação foi de muita alegria por ver a concretização no número de votos que recebemos e de tristeza pois a Rede não atingiu o coeficiente eleitoral. Também por toda entrega que uma campanha exige a sensação do dia seguinte foi a de maior ressaca da vida!
Mas, passada a ressaca, temos um balanço muito positivo do processo. Tínhamos duas metas, a eleição e descomplicar a política aproximando as pessoas dos espaços de poder. Tenho certeza que nossa campanha trouxe o interesse para a política para muita gente mostrando uma nova forma de fazer. Por vezes um impacto muito maior do que havíamos planejado! Continuar na política? Pretendo sim!

SF: Você se candidatou pela REDE e alguns outros partidos elegeram vereadores com menos votos que você… A escolha de um partido hoje é mesmo fundamental no que tange valores, idealismo e compromissos?
MH: Esta é uma discussão muito contemporânea e importante de enfrentarmos no Brasil.
A REDE surgiu como um movimento incrível de colocar uma agenda de sustentabilidade e de conexão para a política. Com pessoas maravilhosas e muito inspiradoras. A decisão de virar partido trouxe toda a complexidade e disputas por poder que um partido tem por natureza e de alguma forma isto fez com que se perdesse bastante da força que o movimento tinha.
No Brasil temos mais de 30 partidos, que não representam com consistência mais de 30 conjuntos de valores, idealismo e compromisso. Isso não é saudável para a disputa politica e gera muitas negociatas de coalizão.

Hoje meu maior envolvimento está em discutir e me engajar na reforma política que esta em curso no Congresso e refletir sobre qual o melhor desenho que aumentaria a democracia e a possibilidade de participação. Partindo desta discussão teremos com certeza outras configurações partidárias. A escolha do partido, então, poderá voltar a ser mais ideológica do que pragmática, que é como o sistema força a escolha atual dos candidatos, para que não ocorra o que aconteceu comigo.
Por outro lado tenho observado diversos movimentos, surgindo e aspirando as eleições, com pautas comuns e com uma potência incrível. Vejo que nestes movimentos o partido importa pouco, sendo usados apenas como ferramentas necessárias para participar das eleições, mas o compromisso real é com o movimento. É possível observar este fenômeno em várias vertentes ideológicas como o MBL ou o Muitxs de BH. Talvez estes movimentos sejam os “partidos contemporâneos” que são mais fluidos e ideológicos, mais em rede e conectados e com menos disputas de poder. Acho que vem coisas muito interessantes por aí neste sentido.

SF: A seu ver, tivemos uma mudança significativa nas cadeiras da assembléia? Temos gente nova que possa dar esperança de mudanças reais na política local?
MH: A nova composição da Câmara dos Vereadores de São Paulo tem alguns pontos positivos. Mais do que dobramos a presença das mulheres. Ainda que continuemos como minoria absoluta foi um bom avanço! Também conseguimos eleger quadros novos e jovens na politica como Sãmia Bonfim, Fernando Holiday, Caio Miranda e Janaína Lima, o que para mim é muito importante.
Porém a taxa de renovação foi pequena e a grande composição da Câmara se manteve entre as mesmas pessoas e grupos de interesse que inclusive resultaram na eleição do Milton Leite, mais uma vez, como Presidente da Câmara.
Para que as mudanças reais aconteçam precisaremos estar muito próximos da politica e dos políticos, participando, contribuindo e cobrando!

SF: A representatividade da mulher na Câmara ainda é pequena. O que falta para mudar esse quadro definitivamente? A questão das cotas para mulheres nos partidos alterou de alguma forma a conscientização das mulheres eleitoras, ou das que têm potencial de candidatura?
MH: Sim. A representatividade da mulher na política brasileira é uma das mais baixas do mundo, perdendo inclusive para países do Oriente Médio. A cota das mulheres nas chapas dos partidos altera muito pouco este cenário. Já existe há muitos anos e não conseguimos avançar no tema pois as candidaturas femininas ainda são poucas e acabam sendo muitas vezes fracas e desorganizadas apenas para compor a chapa. Ainda temos em nosso imaginário a percepção de que os políticos são homens, brancos e mais velhos. Na hora de votar procuramos opções que se encaixem nesta imagem pois nos passa mais segurança.
Por isto termos mais mulheres eleitas nos ajudaria a mudar este esteriótipo e mais pessoas entenderiam este como um espaço nosso. Para que esta mudança realmente ocorra, além de falar cada vez mais no tema e apoiarmos boas candidatas, há alguns projetos mais afirmativos como a reserva de cota de cadeiras ou a concessão de dois votos por pessoa, um em mulher, outro em homem.

SF: Mudamos de um governo petista, para um tucano, com um personagem (prefeito) que se vendeu não como político, mas como empresário… Isso pode dar bons frutos?
MH: Na minha visão temos duas questões aqui. A primeira é se podemos ter bons frutos da gestão Dória em São Paulo e a segunda do impacto de vendermos a imagem de gestor e não político.
No primeiro caso acredito que é muito possível termos uma boa administração da prefeitura nos próximos anos pela gestão Dória. O ex-prefeito Haddad entregou a cidade com um contexto muito favorável: a dívida municipal controlada e o caixa em ordem, grandes obras como hospitais a serem inaugurados, os processos da administração pública organizados e otimizados. O Dória tem bom terreno para trabalhar e entregar melhorias reais na vida das pessoas em saúde, moradia, educação, transporte, segurança. E ele está muito empenhado em realizar uma boa administração, o que é bom para São Paulo.
No entanto, acho que perdemos bastante em uma evolução profunda que Haddad vinha fazendo que é trabalhar o Direito à Cidade e a retomada dos espaços públicos pelo paulistano em suas diversas possibilidades, gerando maior integração e convivência entre as realidades tão distintas que temos aqui. Acredito que a gestão Dória não acredita nesta abordagem e está empenhada em uma comunicação intensa de bastante visibilidade e marketing apoiada em uma narrativa de “nós contra eles”, que em minha visão é muito triste e atrasada para as possibilidades contemporâneas que temos no cenário das grandes metrópoles do mundo.
Quanto ao discurso de ser gestor e não politico, acredito que os resultados podem ser muito perversos. Vivemos em um momento que os estabilishment político é muito antigo e nocivo. São as mesmas pessoas de sempre que se entendem donas da gestão pública, participam de grandes escândalos de corrupção e abuso do poder, mas não saem de lá. O sentimento geral é de raiva e indignação. Mas quando extrapolamos este sentimento, em relação a ciclano ou beltrano e o generalizamos para toda a política, negamos também a política por si só como o maior desafio e a maior possibilidade de transformação que temos. Negar isso abre espaço para caminhos muito perigosos.

SF: Qual é o papel das mulheres nas mudanças necessárias no modo de gerir as nossas instituições publicas, cuidar da nossa cidade, cobrar dos governantes?
MH: Gosto muito de lembrar que grandes revoluções como a Revolução Francesa e a Revolução Russa iniciaram com movimentos das mulheres, como marchas e revoltas. Tenho certeza que a força feminina tem um papel vital na transformação da sociedade e não podemos deixar de dar esta contribuição. A partir de um olhar de necessidade específica e também de uma outra forma de entender e pensar soluções temos uma força gigante para contribuir e para isto precisamos estar nos espaços. Temos de nos colocar para servir as instituições públicas, dar visibilidade e apoio aos diversos movimentos de ocupação e pertencimento que já existem na cidade, nos manifestarmos e estarmos presente no dia a dia dos nossos governantes e principalmente cobrar.
A força das mulheres nestes temas é gigante e precisa ser honrada.

SF: Como você vê seu futuro político?
Faço esta reflexão de enxergar muito propósito na arena pública e de sentir a responsabilidade e o privilégio de poder colocar toda experiência e formação incríveis que recebi a serviço da gestão pública e da política. Entendo que minha geração se afastou muito deste espaço e o cenário que vemos aí hoje com os políticos que aí estão e não nos representam são reflexos da nossa ausência.
Entendo que é muito importante pensar um futuro politico. Estar nesta disputa e crescer consistentemente para influenciar e construir a sociedade que desejo. Esta certeza eu tenho. Agora os próximos passos exatamente estão em construção… hehehe.. estão sempre em constante construção.

SF: Como enxerga a atual política nacional?
MH: Um desastre. É muito ruim para o Brasil como Nação não ter um governo eleito e ter passado por um processo tão traumático quanto o impeachment. Entendo que a Chapa Dilma-Temer deveria ter sido prontamente julgada pelo TSE após um pleito tão inverídico e insustentável como o de 2014.
Porém isso não aconteceu. A Dilma sofreu o impeachment já com o país sem nenhuma governabilidade e o Temer deveria então ter ocupado este espaço com respeito e dedicação em resolver a crise econômica e a realizar uma transição consistente com o programa pelo qual foi eleito como vice.
No entanto não é isso que vemos acontecer. É um governo que lidera por meio de medidas provisórias, sem diálogo e debate com a sociedade, com um time sem diversidade que sintetiza o que de mais antigo e ruim temos na política mexendo em temas muito sensíveis para todos. Não tem como dar certo.
Vejo a Lava Jato como um grande fator de instabilidade que agora precisa ser preservado com muito cuidado para não sofrer com a morte do Ministro Teori.
No fundo penso que o que acompanhamos hoje na politica nacional é o fim de um ciclo. O ciclo da redemocratização, da Constituição de 88, de Tancredo até Temer, está chegando no fim. Com certeza foi um ciclo importantíssimo e estamos melhor do que a 30 anos em todos os aspectos. Nos trouxe até aqui. Porém para seguirmos precisamos repactuar uma visão de país e de Brasil entre as partes. Precisamos de uma visão mais de longo prazo e pensar quais são os combinados que irão garantir o próximo ciclo, o futuro.

SF: Que recado vc deixaria para as mulheres desacreditadas da política e dos políticos?
MH: Que elas tem razão. Os políticos que estão ai hoje, e por consequência a politica, não merecem créditos e não nos animam para a construção e transformação necessária. Mas então, que levantem e olhem em um espelho. Sim a resposta de quem pode mudar isto é essa mesma. Você.
Todas as mulheres tem e terão um papel fundamental em uma transformação com impacto positivo na sociedade então meu recado é: Lutem, Lutem pelo que é importante para vocês!

SF: Você se utilizou muito das redes sociais para se comunicar com os eleitores. Que outros papéis importantes estas redes podem desenvolver no futuro político e cívico do país?
MH: Acredito muito no papel das redes sociais e da tecnologia nas transformações da sociedade. O poder das redes, de aproximar as pessoas e dar voz a todos, é um poder político. Pode aproximar as pessoas dos espaços de poder, encaminhar demandas e criar canais de diálogo.
Para muito além das campanhas acredito que as redes podem contribuir muito para mandatos com maior diálogo, participação, proximidade e transparência. É importante que haja bastante cobrança para não virar mais um canal de propaganda e marketing politico como estamos vendo por aí, mas tenho muita confiança que são ferramentas importantes que auxiliam na construção de uma democracia mais direta e participativa, como este blog.

SF: Criança que tem conhecimento político e vontade de fazer a diferença… Como começar?
MH: Sim! Na minha visão temos que começar por aí mesmo. Reconhecendo os agentes políticos nas crianças. E parando para escutá-las. Para além da importância da formação delas como agentes de reflexão e construção políticos, acredito na contribuição imediata que elas podem dar na confecção de politicas públicas.
Acompanhei algumas candidaturas com propostas muito interessantes neste sentido como a do Pedro Markun da Rede e da Maira Pinheiro do PT que tinham plataformas e metodologia de inserção das crianças no mundo político que valem a pena conhecer como o “Jogo da Politica”.
Na nossa proposta de mandato teríamos alguns momentos voltado para a participação da criação e metodologias para incluí-las na construção de propostas de soluções para diversos temas como educação, espaço público e saúde.
*lembramos sempre que damos plena liberdade de resposta a nossas entrevistadas e que a opinião delas, sem reservas, nem censura, é sempre respeitada, independente da nossa posição editorial.